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29/03/2016

“A triste geração que virou escrava”


“E a juventude vai escoando entre os dedos. Era uma vez uma geração que se achava muito livre.Tinha pena dos avós, que casaram cedo e nunca viajaram para a Europa.Tinha pena dos pais, que tiveram que camelar em empreguinhos ingratos e suar muitas camisas para pagar o aluguer, a escola e as viagens em família para pousadas no interior.Tinha pena de todos os que não falavam inglês fluentemente. Era uma vez uma geração que crescia quase bilíngue. Depois vinham noções de francês, italiano, espanhol, alemão, mandarim.Frequentou as melhores escolas.Entrou nas melhores faculdades.Passou no processo seletivo dos melhores estágios.Foram efetivados. Ficaram orgulhosos, com razão. E veio pós, especialização, mestrado, MBA. Os diplomas foram subindo pelas paredes.
Era uma vez uma geração que aos 20 ganhava o que não precisava. Aos 25 ganhava o que os pais ganharam aos 45. Aos 30 ganhava o que os pais ganharam na vida toda. Aos 35 ganhava o que os pais nunca sonharam ganhar. Ninguém podia os deter. A experiência crescia diariamente, a carreira era meteórica, a conta bancária estava cada dia mais bonita. O problema era que o auge estava cada vez mais longe. A meta estava cada vez mais distante. Algo como o burro que persegue a cenoura ou o cão que corre atrás do próprio rabo.O problema era uma nebulosa na qual já não se podia distinguir o que era meta, o que era sonho, o que era gana, o que era ambição, o que era ganância, o que necessário e o que era vício.
O dinheiro que estava na conta dava para muitas viagens. Dava para visitar aquele amigo querido que estava em Barcelona. Dava para realizar o sonho de conhecer a Tailândia. Dava para voar bem alto. Mas, sabe como é, né? Prioridades. Acabavam sempre ficando ao invés de sempre ir.Essa geração tentava se convencer de que podia comprar saúde em caixinhas. Chegava a acreditar que uma hora de corrida podia mesmo compensar todo o dano que fazia diariamente ao próprio corpo. Aos 20: ibuprofeno. Aos 25: omeprazol. Aos 30: rivotril. Aos 35: stent. Uma estranha geração que tomava café para ficar acordada e comprimidos para dormir.Oscilavam entre o sim e o não. Você dá conta? Sim. Cumpre o prazo? Sim. Chega mais cedo? Sim. Sai mais tarde? Sim. Quer se destacar na equipe? Sim.
Mas para a vida, costumava ser não: Aos 20 eles não conseguiram estudar para as provas da faculdade porque o estágio demandava muito. Aos 25 eles não foram morar fora porque havia uma perspectiva muito boa de promoção na empresa. Aos 30 eles não foram no aniversário de um velho amigo porque ficaram até as 2 da manhã no escritório. Aos 35 eles não viram o filho andar pela primeira vez. Quando chegavam, ele já tinha dormido, quando saíam ele não tinha acordado. Às vezes, choravam no carro e, descuidadamente começavam a se perguntar se a vida dos pais e dos avós tinha sido mesmo tão ruim como parecia. Por um instante, chegavam a pensar que talvez uma casinha pequena, um carro popular dividido entre o casal e férias em um hotel fazenda pudessem fazer algum sentido. Mas não dava mais tempo. Já eram escravos do câmbio automático, do vinho francês, dos resorts, das imagens, das expectativas da empresa, dos olhares curiosos dos “amigos”. Era uma vez uma geração que se achava muito livre. Afinal tinha conhecimento, tinha poder, tinha os melhores cargos, tinha dinheiro. Só não tinha controle do próprio tempo.
Só não via que os dias estavam passando. Só não percebia que a juventude estava escoando entre os dedos e que os bónus do final do ano não comprariam os anos de volta.”

 Texto atribuído a Mia Couto

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03-29-2016
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22/03/2016

Rivalidades


Só a luz do sol rivaliza com a luz dos teus olhos, se a primeira me dá vida, a segunda enche-me a alma.

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2016-03-22
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18/03/2016

Da crueza do puro


Pinto-te de mil cores, vagueio por cada nuance, mas gosto de ti a preto e branco.


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2016-03-18
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Sem tempo p’ra voltar



Somente ir…
Num golpe d’asa voar

Chegar de madrugada
para ver o sol raiar
gritar ao vento
à baía e ao mar

Ver kindas e kintandeiras
de pano garrido
sem bainha
colocado a preceito
que esconde e sobressai
corpo de ébano
rainha

Nas trancinhas  
búzios- continhas
qual jóias alinhadinhas

Na voz clara
soa a África
a quissange e a tambor
um rimado apregoar
de tão gostoso sabor

Tem jinguba e maracujá
Tem carambola e cará
Batata doce docinha
Tem chá capim bem verdinho
Tem fuba tem mandioca
Tem banana e fruta pinha
Tem caju e tem maboka

E quando a kinda
vazia
volta ao kimbo
a alegria
que leva a kintandeira

E parto

 Rumo ao pôr do sol
que se vai banhar na ilha

Vou jantar
aos pezinhos n' água
olhando o horizonte
vendo a noite chegar

Que maravilha

E nos dias a seguir
vou por aqui e ali

caminhando sem destino
para as saudades matar
e duma vez arrancar
este apego desmedido

que me mata o coração
numa dor 
já sem sentido

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 2016-03-18 
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14/03/2016

Sol de pouca dura



Ainda há pouco era andorinha, agitada, a romper espaços apertados, por entre os beirais…  Mas já não sou. Acabo de ouvir que amanhã chove de novo.


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2016-03-14  
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13/03/2016

Um dia destes



Qualquer dia
Vou falar-te do sol
desse que emana do teu sorriso e me aquece a vida
E do teu olhar
esse que ilumina os meus dias cinzentos
E até das tuas mãos
essas que acariciam as minhas tempestades
Esta noite, porém
só quero contar-te uma história e ver-te sonhar


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2016-03-13 
nn(in)metamorphosis




11/03/2016

Porque nem sempre o diabo está atrás da porta


O dia pode chegar ao fim sem que o sapato de cristal se perca pelo caminho
A nossa dança pode continuar sem que haja meia noite
Havemos de nos perder entre ternuras e descobertas...


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2016-03-11
nn(in)metamorphosis