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28/08/2025

Querida vida


Hoje, 27-08-2025 - ao sentar-me para tomar um café, fui surpreendida por uma cena singela e, ao mesmo tempo, profundamente comovente.
Duas senhoras, de idades já vestidas pelo tempo, sentaram-se na mesa ao lado. Falavam baixo, mas com uma intensidade que atravessava o silêncio entre os goles de café. Dissertavam sobre a vida -  sobre quedas, recomeços, solidão e afetos. No entanto, havia uma pergunta que se repetia entre elas:
 
“O que vale mesmo a pena guardar?”
 
Fiquei com essa pergunta a ecoar em mim. E é com ela no pensamento que te escrevo, querida vida:
 
 ***
Querida vida,

 

Escrevo-te com o coração tranquilo e o olhar pousado no que ficou para trás - não com saudade amarga, mas com um sentimento profundo de gratidão. Ao longo do caminho, fui percebendo que nem tudo merece ser guardado. E, ainda assim, há coisas que faço questão de levar comigo.
 
Quero guardar os momentos em que o amor falou mais alto. Os abraços que aqueceram a alma, as palavras que chegaram no momento certo, os silêncios que acolheram melhor do que qualquer explicação. Esses pequenos grandes instantes que, por mais breves que tenham sido, deixaram marca.
 
Quero guardar a simplicidade dos dias comuns - o cheiro do café logo de manhã, a brisa suave num final de tarde, as gargalhadas partilhadas com quem é de verdade. São esses detalhes que, no fundo, sustentam o coração.
 
Da dor, quero guardar apenas aquilo que me ensinou. As quedas que me obrigaram a levantar, os recomeços que exigiram coragem, as perdas que me ensinaram a valorizar o que ainda tenho. A dor passa, mas o que aprendemos com ela fica.
 
Quero guardar também as pessoas que me tocaram com sinceridade. Algumas ficaram, outras seguiram o seu caminho, mas todas deixaram algo em mim. E isso, por si só, já merece ser lembrado com carinho.
 
E, acima de tudo, quero guardar a pessoa que me tornei. Com todas as marcas, os sorrisos, as lutas e os sonhos. Porque a vida, no fim de contas, é isto: uma construção contínua de tudo aquilo que escolhemos guardar no coração.
 
Com carinho,

 

 ***

2025-08-28 – QUERIDA VIDA
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Pai

 

Pai

a tua ausência é presença
a tua voz é silêncio que fala
O amor que me deste
não partiu contigo
vive em mim
para sempre

  

2025-08-28 ­– Pai - saudade
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22/08/2025

Perfumes da memória


 
Cheiros que se fazem raízes
adormecem
mas um sopro basta
para me levarem de volta
 
Beijos repenicados dos pais
colo e riso
 
Café da avó
abraço quente a abrir manhãs
 
Maçãs bravias da tia
sol guardado na casca
 
Chuvas de verão
pó lavado
pele fresca
 
O mar 
sal, brisa
casa sem chave
 
E aquele instante:
Jesuíta a sair do forno
cheiro que é já memória
 
E tu
primeiro olhar
um odor guardado no ar


***
2025-08-22- Perfumes da memória
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21/08/2025

Cicatrizes

 
Perguntaram-lhe
por que caminhava leve
por que segurava o gesto
por que evitava ferir
 
Silenciou por momentos
como quem guarda o mar no peito
e respondeu baixinho
quase em sussurro
 
É que eu sei o quanto dói
Já provei o corte invisível
já senti o peso da ferida
que não se vê mas nunca esquece
 
Por isso cuido
por isso calo
por isso abraço com cuidado
porque a dor
quando toca
fica

*** 

2025-08-21  - Cicatrizes
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20/08/2025

Entre o passado e o agora

 



Na rua cruzaram-se
o tempo parecia brincar
quinze anos de silêncio
num instante a desatar

Sentaram-se frente a frente
no café da esquina esquecido
do passado vieram histórias
do presente, o riso contido

Falaram de outros tempos
de amigos já dispersos
uns casaram, outros partiram
e os encontros tornaram-se escassos

Não havia mágoa, só memória
nem saudade que doesse demais
havia o conforto simples
de reencontrar um velho amigo
e saber que entre o ontem e o agora
a amizade ainda tem lugar

 
 

 

 ***

2025-08-20 - Entre o passado e o agora
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19/08/2025

Com os pés em terra e a alma no mar

 


Pés presos à pedra
raízes na areia
mas dentro de mim
um oceano se ergue
 
Caminho na rua
mas ouço marés
as ondas em fúria
batendo-me no peito
 
A terra é descanso
mas nunca sossego
o mar é chamado
ferida e remédio
 
Quem vive entre mundos
aprende a sonhar
um corpo enraizado
mas pronto a voar




***
2025-08-19 -  Com os pés em terra e a alma no mar
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Quem sabe

 
Quem sabe o sonho seja a verdadeira realidade, e a vida apenas o seu eco.


 
 ***
2025-08-19 
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18/08/2025

Amor onde cabe o mundo


  Amo-te
mas não com um amor isolado
de portas fechadas e cortinas corridas
 
Amo-te
com as ruas, as vozes
os cartazes que tremem em mãos cansadas
 
Amo-te
com o grito preso de quem não come há dias
com o suspiro de quem veste roupa de marca
e não sente nada por dentro.
 
Amo-te
porque é preciso resistir ao esquecimento
num tempo em que tudo se vende
em que a vida é montra e a esperança está em saldo
 
Amo-te
com a ternura que não se cala
com a coragem que enfrenta a desigualdade
como se abraça um amigo ferido
com firmeza, com calor
sem desviar o olhar
 
E quando o mundo tenta ensinar-nos
que amar é possuir
eu insisto que amar é libertar
até que a última esquina seja nossa
até que o último punho erguido
possa também descansar na paz
que hoje ainda é sonho
 
Amo-te
e neste amor cabe o mundo inteiro

 

 

2025-08-18 - Amor onde cabe o mundo
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15/08/2025

Quando a paixão se faz casa

 

Já não arde o incêndio de antes
não queimam as horas na pressa de estar
o fogo fez-se brasa
e a brasa, calor
silencioso, constante

Os beijos já não se precipitam
chegam mansos, certos
como o sol da manhã que não precisa provar nada

 O amor aprendeu os silêncios
conhece o peso e a leveza dos dias
guarda na memória o contorno das mãos

Não é menos amor por ser tranquilo
é mais
porque resistiu ao tempo
porque escolheu ficar
mesmo quando já não precisa

E, quando o mundo lá fora grita
é aqui que o coração repousa
na casa que se construiu
com o que sobrou do fogo
e com tudo o que nasceu depois

 


 2025-08-15 - Quando a Paixão se Faz Casa 
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14/08/2025

Entre o Mar e a Saudade

 

Primeiro, mar. Muito mar. Por dias. A perder de vista, um horizonte sem fim que se perde no azul imenso.


Depois, terras vermelhas, palmeiras que balançam ao vento quente, o calor que se entranha na pele e os sons que envolvem a alma.

Assim se apresentou Angola (Luanda): com a sua luz, a sua cor, a sua vida… agora, saudade. Uma saudade que escapa, como areia fina entre os dedos.


A memória de Angola permanece comigo, como uma melodia distante. Aos poucos, perde as notas, mas não a intensidade do sentimento. 
Há muito não vejo as palmeiras a moverem-se ao vento que eu sentia no rosto, e o calor já não me envolve. No entanto, a essência de tudo o que vivi ali ficou gravada, imutável.

Angola vai-se afastando, como um eco que se desvanece, mas que nunca se deixa de ouvir.
A saudade agora é uma névoa suave que envolve os dias, uma lembrança que persiste onde o tempo e a distância não chegam.
 
Mas, por mais que se desvaneça
Angola será sempre parte de quem sou.


2025-08-14 - Entre o Mar e a Saudade
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12/08/2025

O eco de sentir demais



Não sou feita de ausências
Mas, às vezes, esvazio-me
Fico quieta por dentro — não é bem dor, nem é tristeza

É uma imobilidade estranha, como se algo se apagasse em mim
 
Não há motivo visível
Só um sentir que transborda
sem nome, sem forma, sem aviso
 
Sinto demais

E quando sinto, tudo pesa
O tempo, as falhas
as palavras que disse — e talvez ainda mais as que escolhi calar
 
Refletir é tormenta
Pensar demais arrasta tudo
como um vento forte que varre os cantos da mente

E a ideia de que tudo depende de mim
Não ajuda
é como tentar segurar o céu com as mãos - irreal
 
Então, obrigo-me

Respiro. Foco no agora
Agarro o instante com cuidado
com atenção, com medo, mas com força
 
Não sou tristeza. Sou excesso

E o excesso, por vezes, também cansa
Mas sigo
Porque mesmo quando transbordo, ainda há poesia

 
 
2025-08-12
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