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28/11/2012

Delirios



Pela tarde, um solinho envergonhado iluminou a minha varanda, sentei no chão, esquecendo que é Outono, mas lembrando que não havia vento, recosto-me na parede, cerro o olhar e não sei se adormeci, ou se sonhei acordada. Nessa semi-inconsciência, dei conta de como às vezes é importante, ter alguém que nos dê um abraço apertado, alguém que nos segure na mão e nos diga silêncios doces ao ouvido, alguém que nos salve da melancolia, das velhas canções, da nostalgia, alguém que nos guarde as palavras caladas, alguém que nos atire um sorriso sem pedir nada em troca. Estremeci, o vento tinha levantado e assim acordei de um sonho em que não sei se dormia ou se sonhava acordada.

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       2012.11.28
nn(in)metamorphosis


O que dizem os meus olhos





Hoje acordei assim, interpelativa, objectiva, incapaz de ver no feio, o bonito que sempre há, ou deveria haver, ou é suposto haver. Nua de doçura saí para a rua. Manhã fria, céu nublado, uma combinação catastrófica para mim. Tomei coragem e investi direitinha ao café do Zé, precisava urgentemente de aquecer a alma num café em chávena escaldada, que café, para mim, é como o amor, se morno, perde a graça. Vivo ou sobrevivo num mundo hipócrita, burocrático e de cegueira induzida, a pior, a que não quer ver. Da crise de valores em que mixordarmos, prefiro nem lembrar. Gosto de caminhar sozinha, especialmente quando acordo azeda; gosto de sentar numa esplanada com um livro como companhia; adoro dizer “bom dia” com alegria e a sorrir; gosto de ajudar quem precisa sem pensar duas vezes (é verdade, também se encontra muita gentinha mal agradecida); gosto de pessoas bem dispostas e de afectos generosas; gosto de respeito quanto baste, daquele que não coíbe uma conversa franca, sem receios de más interpretações, acusações e outras maçadas. Abomino gentinha que enfeita as suas vidas ôcas, falando das vidas alheias, pelo que acham que sabem, que viram, que têm ou deixam de ter; de gente que não sabe o momento em que deve parar, que não sabe onde a terra acaba e o mar começa, ou onde acaba a sua liberdade e começa a minha.

O que dizem os meus olhos?
Dirão sempre o que cada um quiser ver neles, muitos serão os que se vão enganar, muito poucos andarão perto, porque eu sou por dentro uma personalidade minha – por fora um conceito de cada um.

PS:-Prometo-me, aqui e agora, tentar não acordar mais ao som do noticiário, é terrivelmente indigesto.

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        2012-11-28
nn(in)metamorphosis


26/11/2012

Cantigas ao desafio XXI




Tu - Preâmbulo

    Quando, inevitavelmente, aqueles dois olhares se cruzam
    Há um assombro vestido de sorriso,
    Misto de surpresa e compromisso
    Há uma mensagem lida nos olhos, biunívoca
    E inicia-se o princípio do fim
    Quando aqueles dois olhares se fixam
    Nada mais existe em redor
    O tempo perde o sentido
    Os sentidos perdem-se no tempo
    E os corpos são apenas olhos
    E os olhos são apenas sensações
    E as sensações são somente quentes
    E o calor emana em linhas direccionadas
    Mil mensagens são transmitidas nos dois sentidos
    Sem qualquer som
    Até que os olhares se fundem
    Nada mais importa, nada mais interessa
    A cegueira é absoluta
    E quando, finalmente, baixando suavemente a cara
    Puxa um sorriso docemente maroto de canto de boca
    Na fracção do pestanejar
    A rendição é inevitável
    Sob o signo da lua cheia

               2012.11.15 vc
(cópia integral e devidamente autorizada)

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Sob o signo da lua cheia
bem no principio do fim
fundem-se  olhares e mãos
na premência das ausências
até mesmo as indecências
a cada anoitecer
fundem-se  vozes, presenças
pensamentos e desejos
inda por acontecer
funde-se também a pele
e esquecendo a lonjura
a fome feita ternura
um é pão, o outro é mel
e num fundir tão sentido
devagar… tão calmamente
o distante, ali tão perto
que sem que deem por isso
desaparece o deserto
e do luar
resta o feitiço

        16.11.2012
nn(in)metamorphosis